A Pedra que a Ingratidão Feriu Jorrou Água
Jesus foi o maior alvo de ingratidão em toda a Bíblia e em toda a história da humanidade. Deus entregou seu Filho para resgatar o escravo; condenou o inocente para perdoar o culpado; quebrou o diamante para consertar o barro; fez o Criador sofrer para que a vil criatura não padecesse eternamente.
E como o homem agradeceu a Deus essa demonstração de amor? Rejeitando o seu Filho, traindo-o, vendendo-o, pregando-o numa cruz. Maior ingratidão não poderia haver. Porém a ingratidão não diminuiu o amor de Jesus.
Em vez tirar de faíscas, a ingratidão tirou água
Quando os filhos de Israel caminhavam pelo deserto rumo à Terra Prometida, e a sede daquela imensa multidão apertava, sempre surgia no lugar onde eles estavam uma rocha da qual brotavam ribeiros de água. Falando sobre esse milagre, o apóstolo Paulo diz: "e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo", l Co 10.4.
Ora, se fôssemos considerar o número de ingratidões que o povo cometia a todo instante contra Deus, não era de se admirar que Cristo se apresentasse como pedra diante daqueles ingratos, pois não há nada que petrifique e endureça tanto o coração de alguém como a ingratidão. Porém Jesus nunca respondeu à ingratidão com ingratidão. O que teria levado então o apóstolo Paulo a compará-lo com a rocha da qual brotava água?
O próprio texto bíblico nos dá a resposta. Estando Israel no deserto de Zim, a multidão teve sede e o Senhor disse a Moisés que falasse à rocha e dela sairia água para o povo beber. Porém, irado diante das muitas ingratidões do povo, Moisés levantou o cajado e bateu na rocha duas vezes, mas assim mesmo dela jorrou muita água, Nm 20.11.
Essa pedra, no original hebraico, é a mesma que na língua portuguesa os dicionários chamam de pedra-de-fogo, pedra-de-raio, "pedra capaz de produzir centelha quando percutida ou atritada, muito usada em antigas peças de artilharia, espingardas e isqueiros" (Dicionário Houaiss).
O normal desse tipo de pedra é produzir faíscas quando recebe pancadas. Mas uma pedra que, ao receber pancadas, responde com água e não com faíscas, essa pedra não é pedra, é Cristo. Ele é o único que responde às pancadas da ingratidão com rios de águas misericordiosas que matam a sede até dos ingratos.
Outra vez a Rocha de Deus diante da ingratidão
Aquelas duas pancadas que Jesus, a Rocha de Deus, recebeu do cajado de Moisés repetiram-se no Novo Testamento. Desta vez os dois golpes atingiram o coração de Jesus, e foram dados por judas que o traiu, e por Pedro que o negou. E outra vez, em lugar de sair fogo daquela rocha, saiu água. Em vez de liberar de si labaredas de fogo para consumir aqueles dois discípulos ingratos, Jesus se curvou diante deles com uma bacia de água e lhes lavou os pés (Jo 13.5).
Jesus lavou os pés de todos os discípulos, mas João só menciona dois deles, Judas e Pedro (Jo 13.2,5,7,8). Por quê? Porque foram Judas e Pedro que cometeram os dois maiores atos de ingratidão contra o Senhor, e eram os que mais precisavam de sua misericórdia. Aqueles mesmos pés de Pedro que Jesus lavou levaram o discípulo a seguir covardemente o Salvador de longe, e o conduziram até o pátio do palácio onde por três vezes ele negou a Cristo. Os pés de Judas que Jesus lavou conduziram o discípulo infiel até o local onde ele vendeu o Mestre e guiou os homens que o prenderam no Getsêmani.
Porém, diante daqueles dois ingratos, Jesus não mudou sua natureza misericordiosa e amiga. Quem recebeu maior destaque durante a Ceia foi Judas, e quem recebeu maior destaque após a Ressurreição foi Pedro.
Durante a Ceia, Jesus molhou o pão e o deu a Judas, (Jo 13.21,24,24). Apesar de ter sido usado para assinalar quem o trairia, molhar o pão no vinho e entregá-lo na mão de alguém durante uma refeição judaica era sinônimo de extrema consideração e muito amor pela pessoa que fosse alvo daquele gesto.
Após a Ressurreição, o anjo falou às mulheres: "Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro...", Mc 16.7. Aos ingratos e traidores Jesus respondeu com amor e distinção.
Jefferson Magno Costa (Pastor, jornalista e escritor)
Jornal Palavra - Dezembro de 2005