domingo, 15 de fevereiro de 2009

Arremedos de Cristianismo

Sinceramente, tenho andado mais do que preocupado com o que as pessoas que se dizem cristãs têm chamado de cristianismo. Não porque eu tenha dúvidas quanto à veracidade das Escrituras ou sobre a divindade de Jesus Cristo, muito pelo contrário, é justamente por causa disso. Não me acho o único intérprete correto da Bíblia, não sou Ph. D, não sou superdotado, não sou ultra capacitado, sou apenas uma pessoa que lê a Palavra de Deus, a ama, medita nela, lê jornal, lê livros variados e vê televisão. Por causa disso é que eu me acho um pouco competente para questionar as coisas que tenho visto e ouvido como sendo de fundo cristão e bíblico e na verdade nada têm de cristãs, antes são de fundo gnóstico, maniqueísta e produto da religiosidade popular (para não dizer superstições).

Sou cristão evangélico há muitos anos, pastor e com freqüência tenho de realizar estudos bíblicos em minha congregação e cada vez que abro a Bíblia para lê-la e fazer pesquisas sobre os assuntos que irei explanar, começo a me perguntar sobre a validade de como temos interpretado a Palavra.

Uma coisa que me intriga muito e já é para mim um ponto de nevralgia para a fé cristã: Jesus veio até nós, Palavra de Deus Encarnada e nos ensina o amor, a humildade, a fraternidade, seu caráter, a Si mesmo como Porta e Caminho, a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Não prega doutrina, a não ser, a Si mesmo. Não prega emaranhados conceitos teológicos ou costumes desnecessários como, por exemplo, trajes, sapatos, horários, aparências, etc. Prega somente o amor e a renúncia ao cosmos em detrimento de si mesmo e em favor d'Ele. Depois de Jesus, os apóstolos e discípulos começam a "compartilhar o pão" e a "perseverar na Palavra", em orações e comunhão. Ainda não cheguei ao que o cristianismo atual pratica.

Paulo, grande apóstolo dos gentios, começa seu ministério pregando Jesus Cristo, não prega Jesus de Nazaré. Em nenhum momento ele fala do Jesus anterior a experiência pascal. Sua doutrina é a Graça revelada por Deus Pai através de Jesus, para Sua honra e glória. Não é mais o amor, não é mais a fraternidade, não é mais o "deixar pai e mãe pó amor de Mim", mas, é a graça salvadora, demonstrada aos santos em Cristo antes da fundação dos tempos. Não é mais a Lei! Não é mais o jugo! É Cristo ressuscitado, poder de Deus. Ele é o sistematizador da graça. Onde ele aprendeu isso? Certamente por revelações do Senhor, mas, não sabemos como e aceitamos os seus autorizados escritos como inspirados por Deus (eu também não tenho dúvida disso).

Cerca de 400 anos após Paulo, aparece em Milão um jovem advogado, intelectual, maniqueísta, ou seja, pertenceu durante muito tempo a uma seita chamada Maniqueísmo, na qual se aceitava o dualismo gnóstico, onde se cria no antagonismo das forças do cosmos e para a qual o corpo era ruim e a alma era boa e perfeita. Ele se apodera de Paulo e de sua experiência pessoal, tempera isto com uma forte dose de Platão e Mani, criando um cristianismo onde o mal e o sofrimento quase são necessários para através deles se mortificar a carne para que o espiritual se sobreponha ao material. Mundo das Idéias versus Mundo Real. Eu não presto (muito embora Deus tenha criado o homem e visto que "era muito bom") e meu espírito se volta para o Criador, contrariando a fé ortodoxa firmada e decretada em Nicéia no ano de 325 e em Constantinopla em 451, que confessam crer na "ressurreição da carne". Ora! Se a carne é má, porque então haverá a ressurreição dela? Contraditório não?

Entramos nessa mesma época em uma era que é chamada de Patristica, onde aparecem os chamados "santos do deserto": Antonio, Pacômio, Simeão Estilita etc. Viviam em jejuns prolongados, sobre colunas que eles mesmos construíam (Simeão viveu 30 anos no alto de uma coluna e eram reputados por "santos homens de Deus que renunciaram o mundo para viverem em santidade"). Não vejo marcas nisso do que Jesus nos disse nos Evangelhos.

Entramos na Idade Média, com a Igreja inquisidora, indulgente, simoníaca, juíza e legisladora. Sobrecarregam as pessoas de impostos e terror. Pensar é punido com morte e excomunhão. Fogo do inferno e tortura. Jugo eclesiástico. Nobreza eclesiástica. Poder de vida e morte. Riqueza e opulência. Institucionalização e mercantilismo. Ainda bem que Deus não se deixa escarnecer e nascem homens como Valdo, Wycliff, Tindale, Huss, Francisco de Assis, Savonarola e anônimos. Graças a Deus!

E hoje, que cristianismo estamos vivendo? Vivemos uma época em que se multiplicam as doutrinas. O amor cedeu lugar às estruturas. O compartilhar virou mando. Os líderes se preocupam em emaranhar as pessoas com fardos que não carregam. Não se pode interpretar a Bíblia de acordo com a consciência porque ainda existe o múnus da denominação saber o que é certo ou errado (mesmo nas "democráticas"). Liberdade não existe. "Santos" de plantão estão sempre prontos a bombardear as pessoas que não se enquadram nos estereótipos de crentes e se oferecem aos demais como padrões de santidade a serem seguidos, como, por exemplo, roupas, costumes, cortes de cabelo, ativismo religioso, etc. Misturamos os eremitas do deserto com o dualismo agostiniano e esquecemos da graça de Cristo e da vida de Jesus de Nazaré. Razão? Essa está fora. Vade retro! O que interessa são as experiências, quase sempre alheias e os arrepios, os "encontros" as visões. Estruturas e doutrinas têm sido consideradas em pé de igualdade. Ministérios extintos são redivivos a força. Estamos vivendo um evangelho do ano 400 carregado de inovações teológicas de confissão positiva védica e mantras cantados ou falados. Ou então vivemos um evangelho de vitória constante, carregado de triunfalismo herético e eugênico, onde somente que faz parte de tal igreja é vencedor ou "filho do Rei". Cadê a vida humilde de Jesus? Cadê a graça salvadora de Paulo? Onde está a fé revelada nas Escrituras? Não interessa, não é mesmo? O que vale é o evangelho-da-barriga-cheia e o evangelho-cotonete, aquele que se quer quando se sente coceira nos ouvidos.

Não é assim que a mensagem da Palavra de Deus deve ser apresentada. Fora os arremedos de cristianismo. Fora os legalistas e fariseus de plantão. Fora os arrepios e tremeliques, arcas e shofares. Fora os tradicionalistas engessados e as lideranças que somente olham para seu próprio estômago. Fora os ascetas que valorizam mais o jejum do que o coração contrito, mais a aparência do que a vida, mais o ter do que o ser. Mais o andar de jatinhos e em diretorias de convenções fazendo dança-das-cadeiras do que fazer missões em sua própria comunidade ou família. Fora os que se dizem exemplos (se este texto fizer você pensar isso de mim, fora eu também, rsrsrsrs). Fora maniqueístas eremitas, sofrimentos e mortificações! Não sou shadu indiano ou sertanejo penitente! Não necessito me banhar nas águas de lugar nenhum e de estrutura nenhuma para ser salvo, só no sangue do Cordeiro. Isso me basta. Jesus sim! Graça sim! Bíblia sim! Igreja de Cristo sim! A vida com Deus em Cristo começa aqui, na carne e não no "celeste porvir".

Liberdade e graça já! Sola Gratia! Sola Fide! Sola Scriptura! Solus Christus!

Pr Gilmar de Araújo Duarte
Ministro de Educação Cristã
1ª Igreja Batista em Brás de Pina, Rio de Janeiro, RJ.

www.pilb.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá prezado pastor. É exatamente o que penso e o que também tenho procurado dizer em nossa comunidade. Aproveitei o seu texto e o distribuí para alguns irmãos que gostam de ler. Abraços, Joel

A Bíblia só foi traduzida para 2.426 das 7 mil existentes línguas faladas no mundo.
Precisamos nos apaixonar novamente pelas Sagradas Escrituras!

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