Saudade me incomoda como um engasgo parecido com um nada entalado. Acontece assim: meu coração carente pede atenção, minha alma se encolhe na posição fetal, meu espírito, feito um pássaro sem ninho, voa em círculo, e eu fico morrendo de saudade.
Sinto saudade do que não sei direito. Talvez queira voltar ao tempo em que meu mundo era grande, e eu tão pequeno. Talvez tente retornar aos dias em que segurava o dedo estendido do papai. Tenho saudade dele. Queria poder ouvi-lo mais uma vez cantar que eu posso encostar minha cabecinha no seu ombro e chorar. Como machuca perceber que sua voz desaparece e quase já não o ouço cantarolar: "Conta toda tua mágoa para mim, pois do meu ombro eu juro que não que não vai embora, não vai embora".
Sinto saudade dos sonhos inconsistentes de minha adolescência. Sem saber quem eu era, sentia poder conquistar reinos e fortunas em lugares distantes e desconhecidos. Eu era um campeão para mim mesmo.
Sinto saudade de meus medos. Meus únicos pavores vinham do escuro, dos fantasmas que se escondiam atrás das portas, das estátuas que guardavam os túmulos, e das conversas cavernosas de minhas tias relatando aparições de almas penadas. Hoje temo as pessoas, os sistemas, as potestades econômicas, os generais que conspiram, e o meu próximo tão inocente.
Sinto saudade de tanta coisa: preciso cheirar o café da minha avó, voltar a dormir com o ranger de outras redes que embalavam os que ainda estavam vivos, vender jornal velho na feira livre para comprar um suco, brigar com meu irmão e mandar ele pedir penico - nosso jeito de exigir rendição com o máximo de vergonha.
Sinto saudade do Roberto Rodrigues Vale, meu melhor amigo de infância. Juntos formamos uma banda de rock que nunca tocou nada. Eu vi quando ele pegou na mão de sua namoradinha e foi confidente de minha primeira paixão. O Roberto me ensinou a pegar jacaré - surfar deitado, na gíria cearense. Quantas vezes nos perguntamos se um dia ficaríamos ricos o suficiente para comprar uma prancha havaiana e singrar uma onda em pé.
Tenho saudade do areal da Gentilândia, o campinho onde jogávamos bola até escurecer; eu queria voltar a fazer pontaria nos patinhos de lata na quermesse do Maguary Esporte Clube; faria qualquer coisa para assistir só mais um filme do Elvis Presley numa matineé do Cine São Luis.
Não me acostumei com os adultos. Depois de viver ao lado de gente grande, ando meio decepcionado. Quero de volta meus amigos de infância. Sei que é impossível e que não adianta tentar viver num passado idealizado. Resta-me o consolo de que o Reino de Deus pertence aos meninos.
Quando chegar lá, acho que verei uma bicicleta velha, pintada de verde, me esperando. Com certeza, poderei jogar pedras nas mangueiras das margens do rio da vida. As mangas de lá devem ser saborosas.
Soli Deo Gloria
Pastor Ricardo Gondim
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