Idas e vindas
Minha vida se parece com aquele jogo em que várias pessoas colocam peças coloridas em cima de uma cartela de papelão, jogam dois dados e caminham por espaços seqüenciados, obedecendo o resultado dos números.
Às vezes acertamos um três e um cinco. Oito espaços para frente, pode significar que teremos que voltar dois. A disputa inclui a sorte dos outros, que também jogam dados. Há bônus, quando alcançamos a ventura de chegar numa casa onde está escrito: avance mais sete espaços. Todavia, existem lugares em que perdemos o turno. O pior azar é sermos obrigados a retroceder ao início de tudo.
Cheguei até aqui na vida, cheio de idas e vindas. Amealhei tanto vitórias como derrotas; conheci frustrações e realizações; chorei despedidas e celebrei chegadas; assisti partos e segurei na mão de moribundos; envelheci e rejuvenesci.
Minha espiritualidade começou sem que eu percebesse muito sobre Deus. Passei anos ignorante em doutrina e teologia. Nada conhecia sobre os livros sagrados das grandes religiões. No meu rito de passagem católico – a Primeira Comunhão – preocupei-me em treinar a esticar a língua para receber a Eucaristia (o perigo dela cair no chão era apavorante) e decorar alguns pontos do catecismo. Eu preferia passar meu tempo com Tio Patinhas, Mandrake, Bolinha e Luluzinha, Asterix e Pedrinho e Narizinho no Sítio do Pica-pau Amarelo.
Devidamente convertido ao cristianismo evangélico, tornei-me um apologeta; um defensor do pacotão dogmático que aprendera na Escola Dominical. Insone, estudei compêndios volumosos de sapientíssimos doutores religiosos. Passei a pensar que sabia tudo sobre Deus; conseguia explicá-lo com maestria, mostrando conhecimento das nuances de seu extraordinário ser. Zelosamente condenei toda e qualquer heresia pagã.
Aconteceu que, certo dia, joguei minhas costas no espaldar da cadeira para descansar um pouco e, ato falho, perguntei: – Quem és tu Senhor? Por anos, havia jogado e avançado com os dados. Tornara-me especialista nas teorias e conceitos da teologia, mas naquele instante, fui obrigado a voltar à casa inicial.
Precisei retomar minha jornada espiritual, sem a antiga pretensão de possuir uma palavra final sobre meu objeto de fé – que não era mais um conceito, mas uma pessoa. Havia abandonado a verdade como uma idéia e desejava o acolhimento do Verbo que se fez carne. Elegi não só a mensagem, mas acima de tudo, a pessoa de Jesus de Nazaré como meu alicerce espiritual. Fascinado com sua história, desejo imitá-lo.
Reconheci minha arrogância de imaginar saber tudo, para acolher a contribuição de outros que, honesta e sinceramente, peregrinam pelo caminho da espiritualidade. Já não pretendo fazer prosélitos, nem tentar impor convicções; desejo, tão somente, oferecer a qualquer um, minhas frágeis compreensões da Palavra.
Lembro a mim mesmo que continuo arremessando dados e que posso perder a vez na próxima rodada. Não quero me sentir competindo com meus irmãos, donos das peças azul e amarela. Procurarei celebrar o lance em que um deles avançou doze espaços e ainda conquistou o direito de repetir a jogada.
Peço a Deus para achar-me sempre maravilhado com sua Graça generosamente espalhada sobre santos e pagãos, poetas e eruditos, músicos e saltimbancos. Todos são cidadãos do mundo e todos participam no vai-vem do tabuleiro.
Não quero chegar em primeiro lugar e ganhar o jogo. Nesta linda brincadeira chamada vida, contento-me com a emoção de ser um simples participante.
Soli Deo Gloria - Ricardo Gondim
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