Todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma. Hebreus 10:38
A vida cristã é uma experiência inspirada e causada pela fé ou movida pelo sentimento? Vivemos num momento histórico em que a fé tem sido substituída pelo sentimento. Eu estava no carro, ouvindo numa estação de rádio evangélica, uma canção muito agradável em sua linha melódica, mas com uma letra terrível, do ponto de vista bíblico. Era algo mais ou menos assim: "eu sinto a tua presença... eu sinto a tua graça"... E por ai viajava nos sentimentos. Fico pensando: como posso sentir a presença de Deus?
O mundo moderno foi invadido pelo sentimento. As artes, a poesia, a religião e todo o pensamento contemporâneo vem sendo dominado pelo nível da emoção. A verdade que vale, não vale ser a verdade, pois o sentimento é quem dita o seu conteúdo. No fundo da criação humana encontra-se, como fundamento de maior valor, um simples sentimento hedonista. O prazer imediato é o lance que avalia e estipula o significado das decisões mais importantes.
A foto que aprisiona o fato de uma gravidez não planejada tem mais valor que um feto abortado com o fito de satisfazer um sentimento da futilidade egoísta. A menina tirou o retrato de sua barriga prenha, e depois, num gesto vulgar de desprezo pela vida, tirou a criança de suas entranhas, porque fazia estrias no tecido liso do ventre esguio. Aquilo que eu sinto hoje é mais forte e merece mais crédito do que a realidade ética.
Vivemos a ditadura dos sentimentos. Se me sinto bem comigo mesmo, posso fazer qualquer coisa, ainda que aquilo que faço, não deveria fazer. A moral do nosso tempo é uma questão da emoção egocêntrica. Alguém me sussurrou com galhofaria diante de sua gula: "vale a pena transgredir por um sentimento delicioso. O que nos resta nesse mundo de sofrimentos são esses momentos de prazer. O que encanta, distrai".
Deus também virou matéria de sentimento. A grande maioria vive buscando emoções que validem e evidenciem a presença divina. Queremos sentir a sua presença! Queremos tocar no manto de Jesus. Essa é a tônica da mentalidade pós-moderna que vive embriagada com a aparência da realidade e com o desfrute de tudo aquilo que é meramente sensório. Mas a Bíblia afirma: Visto que andamos por fé e não pelo que vemos. 2Coríntios 5:7. Isto é: andamos pela fé e não pelos sentimentos.
A presença de Deus não é assunto de sentimento. Deus não é perceptível pelos nossos sentidos nem pode ser captado pela nossa emoção. Mesmo que o céu esteja coberto por espessas nuvens negras, o sol continua brilhando em seu percurso. Mesmo que não haja qualquer evidência da presença de Deus, ele continua presente em todo lugar. Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Salmos 139:7-10.
Creio na presença de Deus em todo lugar nesse universo, porque a sua palavra afirma que ele está presente em qualquer lugar. Isto é fé, pois a fé se baseia apenas na suficiência da palavra de Deus. Ainda que eu não sinta a menor comprovação e não haja qualquer sinal de sua presença no universo, eu creio que Deus está bem presente porque sua palavra afirma. E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo. Romanos 10:17.
Ninguém que tem fé precisa de um sentimento para comprovar a sua convicção, já que a fé na palavra de Deus tem a sua própria persuasão fundamentada na mesma palavra. Alguém disse que: "a mente sabe que sabe, enquanto o olho não vê que vê". Embora, o olho que vê, não vê que vê; a mente que sabe, sabe que o seu saber procede da própria mente que sabe. Quem tem fé não carece de prova, pois nenhuma prova pode provar o que a própria fé prova firmada na palavra de Deus.
Quem crê não precisa de demonstração para crer, e quem não crê não há comprovação no mundo que o leve a crer. A essência da fé nega qualquer constatação fenomenológica, pois "a fé é a crença apesar das evidências". Se alguém necessita de uma prova sensória para firmar a sua fé, então essa pessoa encontra-se no campo da ciência e fora do terreno da fé. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. Hebreus 11:3.
A fé está relacionada apenas com a palavra de Deus. Se não houver sinal da palavra de Deus não há o menor indicio de fé. Ninguém que crê baseado na palavra de Deus precisa de qualquer sentimento para corroborar com a sua fé, pois a verdadeira confiança só carece da verdade de Deus para se sustentar. Jesus desconfiou da crença alicerçada em milagres. Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos. João 2:23-24.
Alguém pode estar indagando: então, você é contra o sentimento? Não. Absolutamente não. Mas o sentimento nunca será o fundamento da fé. Ninguém precisa de emoção para crer, mas se houver alguma emoção em sua crença, tudo bem. O sentimento não pode ser a locomotiva do trem, mas pode ser um vagão. A fé depende somente da palavra de Deus para se manifestar e o sentimento pode ou não acompanhar a fé. Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé. Romanos 1:17.
A teologia dos sentimentos que se tornou mais desenvolvida a partir do século XIX, com Friedrich Schleiermacher, tem sua ênfase naquilo que podemos sentir no âmbito da alma. A sua tese mostra que a experiência verdadeira está vinculada com a sensação íntima e nunca com a verdade em si mesma. Para os promotores desse tema é preciso sentir a verdade, a fim de torná-la legítima. Mas Jesus não apóia essa premissa, pois seu destaque recai no puro conhecimento da verdade. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32.
Jesus disse: e conhecereis a verdade; ele não disse: e sentireis a verdade. A vida de fé é um produto da verdade divina, revelada em sua palavra, sem necessidade alguma de um sentimento comprobatório que autentique a veracidade da experiência. Ninguém precisa de uma emoção para apoiar a fé depositada na palavra de Deus, e mesmo que alguém tenha alguma muito importante, não há obrigação de vinculá-la ao conteúdo da fé.
Esse destaque nos sentimentos tem sido responsável por uma grande distorção na proclamação autêntica do cristianismo. Muita gente vive querendo sentir os efeitos da verdade ou as comoções estáticas de alguma experiência para poder afirmar a sua fé. Alguns acreditam que o choro e a alegria servem para confirmar a legitimidade do acontecimento. Mas a Bíblia continua sustentando que o justo viverá somente pela fé: Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé. Habacuque 2:4.
A fé é a recusa de ingressar no pânico, em virtude da suficiência concebida pela revelação divina. Só a fé na palavra de Deus pode comprovar a onipotente veracidade do Deus da palavra, e com isso, provar a realidade consistente de que a graça de Deus, origem da revelação, é também a causa da fé. A água está para o peixe, assim como a palavra de Deus está para fé. O Deus da graça que concede a expressão da sua palavra, concebe o surgimento da fé embutida na mesma palavra. Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Romanos 10:8. Não é o sentimento do coração, mas a palavra da revelação que faz toda a diferença.
Crer ou sentir - eis a questão!
Por: Glenio Fonseca Paranaguá
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